Assim,
da forma que o título diz, o menino gritava do quarto para a cozinha
todos os dias quando o relógio, com retrato de paisagem de pescador
(dependurado na parede do corredor), batia oito da noite; E lá
vinha, da cozinha, dona Maria, sua “avó-mãe”.
Ainda
que fosse uma senhora solteira, no quarto havia uma cama de casal de
madeira maciça e paraense; nela sentava-se a avó e o menino deitava
a cabeça no seu colo para ambos apreciarem as fantasias das novelas;
ora a história de uma cidade nordestina impregnada de realismo
mágico com vilãs cômicas que, uma hora outra, sairiam voando (as
preferidas do menino), ora o cenário urbano com assassinos
misteriosos e prédios que explodiam — uma verdadeira fábrica de
fantasia que tirava o garoto do quarto e o levava “para lá de
Marrakech”
— Venha
ver essa nova abertura, como é bonita! — Chamava a avó dona Maria
Augustinha e ele ia, ia e se deslumbrava com o que via: uma mulher
que corria ininterruptamente por uma paisagem rural (como se
almejasse ir correndo do Norte ao Sul) e, em seu caminho, do chão e
do ar, brotavam obstáculos inumanos mas que ela trespassava cada um
sem se abalar valendo-se, para tanto, de poderes mutantes qual um
personagem do desenho “X-men” ou um dos integrantes do “Quarteto
fantástico” produtos da mente de um velho gênio chamado Stan
Lee.
Poderes
esses (da mulher na abertura) que a permitia transfigurar-se de sua
forma física para elementos da natureza — se no seu caminho
aparecesse muitas barras de cela de cadeia, vindo do leste e oeste
voando deitadas na horizontal até encontrar-se formando, assim, a
porta de uma cela intransponível para o corpo humano com seu torso e
membros, a mulher vestida de vermelho virava o próprio fogo e
ultrapassava-as.
Em
seguida, surgia, caindo do céu, barreiras gigantescas que se
prendiam no chão: grandes placas metálicas de forma retangular na
vertical — ela tornava-se água e as deixava para trás.
Na
estrada viria, por último, um labirinto de barras de ferro qual
aqueles que as crianças brincam nos parquinhos, mas com as
proporções gigantescas de Gulliver perante os cidadãos da ilha de
Lilliput — A indomada era, para combater e transcendê-las, dezenas
de pedras que voavam lembrando as “pedras que cantam”
profetizadas por Fagner. Tudo embalado pelo ritmo empolgante de um
Maracatu pernambucano executado por Sérgio Mendes, rico com todas as
suas alfaias, os taróis, os ganzás e os agogôs.
Lá,
nas novelas, o menino viu Eva Wilma invocar o raio; viu Osmar Prado
partindo pra lua; viu Aracy dando alma à Filomena Ferreto, seu papel
antológico que mais tarde ele compararia a Don Corleone de “The
Godfather”; viu a trama de realismo fantástico que retratava um
possível “fim do mundo” sem alusão ao último livro das
escrituras cristãs, redigido pelo filho de Zebedeu, assumindo (a
novela) somente o compromisso de entreter — folhetim esse que
apresentou-lhe o universo de Dias Gomes, preparando-o para no futuro,
na adolescência, assistir à obra prima: “O pagador de promessas”
desse mesmo autor.
O
menino viu as aventuras e desventuras de um rei do gado;
Ouviu
que “Há um brilho de faca onde o amor vier”;
Conheceu
o drama e a saga das mães da Sé, paradas entre a catedral e o marco
zero paulista, carregando as fotos dos seus filhos desaparecidos;
O
milagre hilariante do mudo que passa a falar ao se deparar com Mula
sem cabeça;
A
batalha árdua dos sem terras e compreendeu que “É duro tanto ter
que caminhar e dar muito mais do que receber” por Peninha na voz de
Zé Ramalho.
Mas,
se alguém, hoje, indagar ao menino acerca de sua melhor lembrança
de uma infância mágica, ele responderá, sem pestanejar, que era o
colo de Dona Maria Augustinha cedido para repousar a cabeça que um
dia trabalharia produzindo histórias para fazer todos sonharem do
jeito que ele sonhou.
Por
volta dos dez anos, saboreando as Reinações de Narizinho, ele
questionou quando leu que Dona Benta era a mais doce das vovós; só
depois ele compreendeu que a avó mais doce é a “nossa”: a de
Narizinho, a dele, a sua…
Uau q texto fanstatico ! Amei ! 👏👏👏👏👏❤
ResponderExcluirMuito gratoo!!
ExcluirUau q texto fanstatico ! Amei ! 👏👏👏👏👏❤
ResponderExcluirUau q texto fanstatico, rico em detalhes faz com que possamos viaja com a imaginação! Parabéns !
ResponderExcluirOi Mattheus Olliveira,eu fico muito feliz e muito grato pelo carinho =D
ExcluirGostei muito
ResponderExcluirRapaz. Atualmente meio pouco, mas esse texto é muito criativo e cheio de detalhes.
ResponderExcluirObrigado =)
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