sábado, 17 de março de 2018

Mãããe vai começar a novela!


Assim, da forma que o título diz, o menino gritava do quarto para a cozinha todos os dias quando o relógio, com retrato de paisagem de pescador (dependurado na parede do corredor), batia oito da noite; E lá vinha, da cozinha, dona Maria, sua “avó-mãe”.
Ainda que fosse uma senhora solteira, no quarto havia uma cama de casal de madeira maciça e paraense; nela sentava-se a avó e o menino deitava a cabeça no seu colo para ambos apreciarem as fantasias das novelas; ora a história de uma cidade nordestina impregnada de realismo mágico com vilãs cômicas que, uma hora outra, sairiam voando (as preferidas do menino), ora o cenário urbano com assassinos misteriosos e prédios que explodiam — uma verdadeira fábrica de fantasia que tirava o garoto do quarto e o levava “para lá de Marrakech”
Venha ver essa nova abertura, como é bonita! — Chamava a avó dona Maria Augustinha e ele ia, ia e se deslumbrava com o que via: uma mulher que corria ininterruptamente por uma paisagem rural (como se almejasse ir correndo do Norte ao Sul) e, em seu caminho, do chão e do ar, brotavam obstáculos inumanos mas que ela trespassava cada um sem se abalar valendo-se, para tanto, de poderes mutantes qual um personagem do desenho “X-men” ou um dos integrantes do “Quarteto fantástico” produtos da mente de um velho gênio chamado Stan Lee. 
Poderes esses (da mulher na abertura) que a permitia transfigurar-se de sua forma física para elementos da natureza — se no seu caminho aparecesse muitas barras de cela de cadeia, vindo do leste e oeste voando deitadas na horizontal até encontrar-se formando, assim, a porta de uma cela intransponível para o corpo humano com seu torso e membros, a mulher vestida de vermelho virava o próprio fogo e ultrapassava-as.
Em seguida, surgia, caindo do céu, barreiras gigantescas que se prendiam no chão: grandes placas metálicas de forma retangular na vertical — ela tornava-se água e as deixava para trás.
Na estrada viria, por último, um labirinto de barras de ferro qual aqueles que as crianças brincam nos parquinhos, mas com as proporções gigantescas de Gulliver perante os cidadãos da ilha de Lilliput — A indomada era, para combater e transcendê-las, dezenas de pedras que voavam lembrando as “pedras que cantam” profetizadas por Fagner. Tudo embalado pelo ritmo empolgante de um Maracatu pernambucano executado por Sérgio Mendes, rico com todas as suas alfaias, os taróis, os ganzás e os agogôs.
Lá, nas novelas, o menino viu Eva Wilma invocar o raio; viu Osmar Prado partindo pra lua; viu Aracy dando alma à Filomena Ferreto, seu papel antológico que mais tarde ele compararia a Don Corleone de “The Godfather”; viu a trama de realismo fantástico que retratava um possível “fim do mundo” sem alusão ao último livro das escrituras cristãs, redigido pelo filho de Zebedeu, assumindo (a novela) somente o compromisso de entreter — folhetim esse que apresentou-lhe o universo de Dias Gomes, preparando-o para no futuro, na adolescência, assistir à obra prima: “O pagador de promessas” desse mesmo autor.
O menino viu as aventuras e desventuras de um rei do gado;
Ouviu que “Há um brilho de faca onde o amor vier”;
Conheceu o drama e a saga das mães da Sé, paradas entre a catedral e o marco zero paulista, carregando as fotos dos seus filhos desaparecidos;
O milagre hilariante do mudo que passa a falar ao se deparar com Mula sem cabeça;
A batalha árdua dos sem terras e compreendeu que “É duro tanto ter que caminhar e dar muito mais do que receber” por Peninha na voz de Zé Ramalho.
Mas, se alguém, hoje, indagar ao menino acerca de sua melhor lembrança de uma infância mágica, ele responderá, sem pestanejar, que era o colo de Dona Maria Augustinha cedido para repousar a cabeça que um dia trabalharia produzindo histórias para fazer todos sonharem do jeito que ele sonhou.
Por volta dos dez anos, saboreando as Reinações de Narizinho, ele questionou quando leu que Dona Benta era a mais doce das vovós; só depois ele compreendeu que a avó mais doce é a “nossa”: a de Narizinho, a dele, a sua…

8 comentários:

  1. Uau q texto fanstatico ! Amei ! 👏👏👏👏👏❤

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  2. Uau q texto fanstatico ! Amei ! 👏👏👏👏👏❤

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  3. Uau q texto fanstatico, rico em detalhes faz com que possamos viaja com a imaginação! Parabéns !

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    1. Oi Mattheus Olliveira,eu fico muito feliz e muito grato pelo carinho =D

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  4. Rapaz. Atualmente meio pouco, mas esse texto é muito criativo e cheio de detalhes.

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